quinta-feira, 19 de julho de 2007

Contos da Metrópole: Parte II - O livro maldito

Eu tinha alguns minutos ainda de horário de almoço quando resolvi andar um pouco para fazer a digestão. O clima de inverno estava persistente nessa semana de julho, aonde pessoas corriam apressadas com seus cachecóis. Aproveitei a temperatura amena para vasculhar alguns sebos antigos na Rua Teodoro Sampaio.

Apesar das dezenas de sebos acabei escolhendo o que me pareceu maior e com mais títulos. Aos poucos fui fitando os livros promocionais que enchiam as prateleiras e o chão da antiga loja, muitos inclusive comidos por traças ou cheios de pó – o que atiçou minha renite alérgica.

Havia centenas de títulos com capas estranhas de autores que apesar de minha erudição e conhecimento, nunca ouvi falar antes.

Eu acredito que a capa faz muito do livro, principalmente quando não se conhece nada sobre o que está escrito nesses volumes esquisitos!

Os vendedores tinham uma aparência estranha, como se uma mistura de nervosismo e curiosidade inquietavam quem estivesse procurando dentre os volumes esquecidos e amarelados pelo tempo.

Em meio uma prateleira oculta no labirinto de estantes, eu o vi.

Aquele volume de capa lilás tinha de certo modo me chamado a atenção como se um imã me fizesse achá-lo escondido ao meio de outras obras. Ele trazia um nome estranho de escritor, como se um pseudônimo se escondesse algo muito grande para ser revelado.

Ao pegar o livro em minhas mãos senti uma estranha náusea que me tomou por inteiro. Desde um frio na espinha até uma tontura pesada que parecia coordenar meus movimentos me fixou de uma maneira impressionante.

A capa do livro era o desenho de uma criatura meia dracônica e meia humana, desenhada em formato mosaico, deixando duvidosa a sua intenção final. O cheiro de páginas velhas era enlouquecedor e a tontura parecia tomar cada vez mais minha consciência sã.

Folheei algumas páginas do volume e vi textos e gravuras que pareciam impregnar em minha mente com combinações de palavras que não faziam sentindo, mas não me deixavam soltar o livro e ir embora. Havia algo naquelas letras que trazia o infernal à realidade, um relato que jamais poderia ter sido escrito por mãos humanas – sãs ou insanas. Era como se o próprio Senhor das Trevas ou algum deus antigo do obscuro houvesse escrito aquilo tudo.

Quanto mais tentava ignorar, mais minha curiosidade instigava e fazia com que eu mergulhasse num mundo que de certo modo sabia que não poderia voltar. Vozes na minha cabeça como algum tipo de coro de monges tibetanos latejavam por todos os centímetros cúbicos do meu cérebro.

Em consciência, já não me lembro de mais nada. Lembro-me apenas de ter pago o livro e saído com ele debaixo do braço, andando como um “golem” sem alma pelas ruas sem prestar atenção no movimento enfurecido do trânsito...

Minha mente já estava tomada pelo maligno por absoluto, e meus ouvidos se taparam para a realidade... Foi quando um ônibus que vinha em farol aberto me acertou em cheio me tirando o último suspiro de sanidade e de vida.

As duas últimas coisas me lembro é do motorista gritando com os curiosos que tentavam ajudar dizendo que a buzina e os freios misteriosamente não funcionaram, e do garoto que surgiu dentre a multidão que fitava arregalada mente os olhos para o livro de capa lilás que acabara de cair de minhas mãos ensangüentadas...

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